quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O exemplo de o que não fazer

A dinâmica da sociedade neste século é baseada na abundância de informação, autonomia para manifestar ideias e sensações, aumento do consumo global, pressão por acomodações entre o desenvolvimento e a sustentabilidade, interesses públicos, ambições privadas. -
O papel das entidades de classe é representar bem os interesses de seus associados, defender o setor em que atuam, promover seus valores e atributos, trabalhar pelo fortalecimento e crescimento de seu mercado, prezar pela condução ética da prática de suas atividades. Além disso, cuidar da comunicação com os diversos públicos com os quais mantém relacionamento.
São Paulo presenciou um modelo de atuação de entidade de classe que não deve ser seguido por nenhum dirigente setorial. Seguindo a máxima de que comunicação não é o que você diz, mas o que os outros entendem, o exemplo dessa entidade de classe mostrou total falta de sintonia com as demandas da sociedade, causou grandes constrangimentos para seus associados e prejuízos de imagem que não se recuperam tão facilmente.
A Associação Paulista dos Supermercados (Apas) desenvolveu uma campanha para que os supermercados de São Paulo deixassem de entregar as sacolas plásticas aos consumidores, prática de mais de 40 anos estabelecida na relação de cliente e loja. Levantando a bandeira ambiental como justificativa, a Apas e seus associados deixaram de entregar uma embalagem gratuita, passaram a cobrar por embalagens retornáveis, produzidas em sua grande maioria na China e em Taiwan. Entretanto, aumentaram significativamente as vendas de sacos de lixo, além de limparem seus estoques de resíduos ao repassar caixas de papelão, muitas vezes contaminadas.
Para reforçar a sua postura de amiga do meio ambiente, a entidade firmou acordo com a Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo, criando uma atmosfera para uma iniciativa que tinha objetivo financeiro, não ambiental, pois ao deixar de entregar as sacolas plásticas os supermercados de São Paulo economizaram cerca de R$ 17 milhões por mês, sem nada repassar ao consumidor.
No início deste ano, a população de São Paulo começou a conviver com essa rotina imposta pelos supermercados e, aos poucos, os problemas começaram a aparecer. A população não percebeu nenhuma redução dos preços dos produtos, pelo contrário. Como as sacolinhas são reutilizadas por quase 100% da população, percebeu-se aumento abusivo dos preços de sacos de lixo. Estudos científicos evidenciaram que as caixas de papelão, única alternativa gratuita para o transporte das compras, eram contaminadas e poderiam comprometer a qualidade dos alimentos acondicionados nessas embalagens. Ainda assim, a Apas continuou insistindo nessa medida torta, estimulando a insatisfação dos clientes.
A população manifestou-se em redes sociais, os estabelecimentos perderam clientes, houve queda das vendas por impulso e, como noticiado pela imprensa paulista, as cestas utilizadas nos supermercados durante as compras estavam sendo levadas para a casa pela população por falta de opção. Alheia, a Apas insistia em que as lojas deveriam manter a posição de não entregar sacolas plásticas. Porém, ao ver constantes conflitos entre operadores de caixa e clientes, perder vendas e ainda ser constantemente acusadas de só querer lucro, algumas redes voltaram a distribuir sacolas plásticas, apesar das constantes ameaças da Apas.
Felizmente, o TJSP reconheceu que tal medida feria os direitos do consumidor e determinou que os supermercados distribuíssem sacolas plásticas gratuitamente e em quantidades suficientes para acomodar suas compras. Decisão que alegrou o cliente, que viu seus direitos respeitados, e possibilitou melhora da relação dos clientes com os profissionais das lojas. Além de tirar supermercados da linha de tiro da população, evidenciou o mau planejamento da Apas nesta campanha, baseada em interesses que não o ambiental. Um verdadeiro caso de comunicação às avessas.
O desenvolvimento sustentável só é viável pelo alicerce econômico, social e ambiental. Atitudes extremadas não são a solução para salvar o planeta. Para manter uma relação sólida com a sociedade atual, é preciso ética, transparência e respeito às pessoas, pois vivemos em um mundo em que a informação circula rapidamente e o acesso é mais democrático. Qualquer empresa, setor, governo ou tomador de decisão que não estiver atento a cuidados como esses corre o risco de fracassar e ter sua imagem arranhada e comprometida.

Fonte: DCI - São Paulo - SÃO PAULO - SP - 29/10/2012 - Pág. C6

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